Debates sobre as diferenças entre os modelos assistenciais e soluções para garantir a sustentabilidade do sistema de saúde foram focos do encontro
Diferença entre modelos assistenciais de saúde, importância de fortalecer a atenção primária, sustentabilidade do sistema, atenção ao envelhecimento da população, contenção de custos, cuidados com incorporação de novas tecnologias, atenção às doenças crônicas, modificação da organização dos serviços de saúde e a importância da promoção da saúde foram os principais assuntos do 15º Congresso UNIDAS – II Congresso Internacional de Gestão em Saúde, realizado na Praia do Forte, Bahia, de 2 e 4 de dezembro.
“Estes debates expõem desafios que temos que pensar todos os dias, como trabalhar custos crescentes e orçamentos limitados”, ressaltou em seu discurso a presidente da UNIDAS, Denise Eloi. A avaliação foi acompanhada pelo presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), André Longo, para quem é preciso investir em práticas de gestão que busquem a excelência. Ele destacou, ainda, que é importante conhecer outras experiências para mudar os rumos.
Modelo canadense
Katherine Routeau, diretora do Programa de Saúde Global e Medicina de Família da Universidade de Toronto (Canadá), abriu o ciclo de palestras do primeiro dia de debates. Ela iniciou o trabalho mostrando a evolução do sistema de saúde canadense, que hoje destina 11,9% de seu Produto Interno Bruto (PIB) para a saúde. Em seguida, pontuou as responsabilidades das estruturas pública e privada, ressaltando que o Canadá tem 13 sistemas de saúde e nem todos os procedimentos são cobertos pelo fundo governamental.
Segundo Katherine, nos últimos anos, a atenção primária sofreu uma transformação muito positiva, com implantação de equipes multiprofissionais, promoção à saúde e controle de doenças crônicas. “Acredito que, agora, o próximo passo é dar mais acesso às pessoas com menos condições”, afirmou. Para finalizar, disse que o Canadá, que atualmente tem 200 equipes de Saúde da Família, pode se espelhar no Brasil, com 30 mil equipes, para aprimorar ainda mais o sistema.
Ainda no primeiro painel, o consultor em saúde pública Eugênio Vilaça Mendes comentou as peculiaridades do setor no Canadá e abordou os problemas presentes no Sistema Único de Saúde (SUS) e na estrutura privada do Brasil. De acordo com ele, é uma estrutura segmentada, pois, além do SUS, que cobre toda população, há o setor privado, com 48 milhões de beneficiários, e o sistema de desembolso direto. “Sonhamos com a universalização, mas, na verdade, segmentamos nosso sistema de saúde. A longo prazo, esse modelo não será sustentável. Os sistemas adotados pelos países têm de ser coerentes com os valores de sua sociedade”, concluiu afirmando ainda que países com forte orientação para a Atenção Primária têm melhor nível de saúde e melhor desempenho econômico.
Novas tecnologias na Europa
A segunda discussão foi iniciada com a palestra da doutora em medicina Laura Sampietro, vice-diretora de Inovação e chefe da Unidade de Avaliação de Tecnologias em Saúde do Hospital Clinic Barcelona (Espanha). A especialista traçou um panorama sobre regulamentação e avaliação da tecnologia. “É preciso estabelecer um novo paradigma que auxilie a diminuição de custo. Inovação já não é igual a nova tecnologia. Inovação é a melhor tecnologia”, afirmou.
Segundo Laura, a escolha de uma tecnologia envolve um amplo contexto: se funciona para os pacientes e como é aplicada pelos médicos, já que as práticas médicas são diferentes em cada localidade. É necessário analisar o custo econômico, custo de implantação e o impacto que a tecnologia terá no para quem está implementando-a, em especial no orçamento. Ao falar sobre o grande sucesso da rede europeia de avaliação de tecnologia sanitária, apresentou uma ferramenta que permite acompanhamento completo, disponível online, levando em consideração resultados da operação e custo-benefício. Acrescentou ainda que, hoje, há 33 agências de avaliação de tecnologias em saúde na Europa. Algumas valorizam mais a parte clínica oferecida pela tecnologia, e outras, a parte mais econômica.
A especialista acredita que no Brasil estão sendo feitos muitos esforços para avaliar de maneira sólida e rigorosa as novas tecnologias e citou o HTAi – Encontro Anual de Avaliação de Tecnologias em Saúde, realizado no Rio de Janeiro, em 2012.
As iniciativas brasileiras para a avaliação e eficácia das tecnologias que surgem no mundo foram mostradas por Gonzalo Vecina, superintendente corporativo do Hospital Sírio-Libanês. Ele explicou que a principal função da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) é permitir ou não que um produto seja comercializado no País, fazendo um balanço de segurança e eficácia e que a avaliação de novas tecnologias é feita pelo DECIT – Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde. “Avaliação da tecnologia é uma coisa recente no Brasil. A vigilância sanitária se incorporou ao processo da saúde, de fato, a partir de 1990, quando o mercado brasileiro se abriu para o mundo e houve estabilização econômica”, lembrou.
14 anos de saúde suplementar
Um debate histórico sucedeu às discussões do Congresso Internacional, reunindo em uma mesa-redonda o presidente da ANS, André Longo; a presidente da UNIDAS, Denise Eloi; Arlindo de Almeida, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge); Márcio Coriolano, da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde); Luiz Nivaldo da Silva, da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, e Adriano Leite Soares, da UNIMED.
André Longo, presidente da ANS, fez um resumo sobre os 14 anos do sistema suplementar de saúde, apresentando os princípios da agência e o crescimento no número de beneficiários, de quase 50% desde 2000. De acordo com Longo, o principal desafio da saúde é a sustentabilidade e o impacto que haverá no setor saúde com o envelhecimento da população. Diante desses desafios, a ANS montou sua primeira agenda regulatória 2011/2012, com nove eixos. Agora, conta com uma construção participativa para a agenda regulatória 2013/2014, que deve passar por consulta pública até o fim de dezembro. A proposta conta com a inclusão de três novos eixos: sustentabilidade, relacionamento entre operadoras e prestadores e governança regulatória.
A questão mais importante destacada por André Longo foi a de que a ANS está empenhada na inserção da inclusão tecnológica, especialmente em relação aos custos de órteses, próteses e medicamentos (OPMEs), na agenda regulatória. Ele revelou que, pela primeira vez, o Conselho Federal de Medicina (CFM) desenvolve um trabalho para mapear toda a cadeia que envolve o assunto.
Os outros participantes da mesa também opinaram sobre os principais desafios do sistema de saúde como um todo. O presidente da Abramge afirmou que, mesmo com os problemas, os planos de saúde, em geral, têm se desenvolvido bastante. Adriano Leite Soares, da Unimed, acredita que a integração entre SUS e Saúde Suplementar é fundamental para enfrentar as questões do sistema.
Para Luiz Nivaldo da Silva, todos os representantes estão juntos, e essa união tem de encorajar as mudanças. Márcio Coriolano, da FenaSaúde, argumentou que as ondas de regulação podem ser divididas em três. A primeira foi o marco regulatório-mãe; a segunda, produtivista, entre 2004 e 2007, e a terceira perdura até hoje, confirmada pela agenda regulatória da ANS.
Modelo belga
Isabelle Heymans, secretária-geral dos Centros de Saúde Primária da Bélgica, apresentou as peculiaridades do sistema de seu país, considerado bom por 77% das pessoas com mais de 15 anos. Segundo Isabelle, o sistema de seguro social adotado pelo governo belga é muito mais amplo do que a estrutura de atenção à saúde. Os principais benefícios são a ajuda oferecida no ambiente de trabalho, a cobertura universal, mesmo sistema e qualidade de serviço independentemente do valor de contribuição do trabalhador, que é proporcional ao salário. Cada um contribui de acordo com o que ganha.
Apesar de a cobertura no país ser ampla, a Bélgica enfrenta alguns problemas que atingem diversos países do mundo. “Os médicos estão pouco preparados para prestar atendimento na atenção primária. O sistema é baseado em especialistas e hospitais. Sofremos com a falta de formação de médicos generalistas”, explicou.
Como alternativa, foram implantadas casas médicas, centros de saúde de bairros e centros de cuidados primários para a comunidade. São espaços estruturados dentro das comunidades, com equipes multidisciplinares e parceria dos médicos privados. Existe um acordo especial com o governo, para beneficiar as populações mais pobres. “Há 120 unidades na Bélgica. Entre três e oito novos centros se abrem a cada ano”, explicou Isabelle.
“Não acredito que o modelo de administração vertical seja eficiente. É preciso acreditar e desenvolver um modelo de atenção integrada”, avaliou a secretária-geral ao encerrar sua apresentação, informando ainda que os grandes desafios são as patologias crônicas e o envelhecimento da população, que exigem ação sobre os determinantes sociais, integrando saúde mental, saúde do trabalho, e saúde socioambiental.
Um histórico sobre o desenvolvimento dos quatro modelos de saúde existentes no mundo foi traçado pelo professor Gustavo Gusso, da Universidade de São Paulo (USP): bolchevique ou soviético, com policlínicas como porta de entrada de sistemas, modelo de unidades básicas de saúde importadas pelo Brasil; bismarckiano, baseado na seguridade social, que vigorou para os brasileiros até 1988 e é o sistema de autogestão; beveridgiano, sistema universal de saúde sustentado pelos impostos – financiamento da saúde com porcentual do PIB – que é a base do SUS, e o modelo americano, estruturado com a comercialização de planos de saúde.
“O Brasil tem os quatro modelos. Para que o sistema de saúde funcione é preciso que o governo escolha em que sistema quer investir. Separar o que é comércio e o que é boa prática em saúde”, destacou Gusso.
Modelo americano
O último dia de debates começou com palestra ministrada por Michael O’Donnell, editor-chefe do American Journal of Health Promotion, que falou intensamente sobre promoção à saúde no trabalho, em hospitais e pesquisas de riscos.
“É preciso pensarmos em bem-estar físico com junção de ações. A saúde física é apenas o começo”, observou O’Donnell. “É preciso focar também na saúde social, intelectual, espiritual, emocional e física. É necessário identificar as paixões de cada ser humano para manter a boa saúde.”
Segundo o especialista, a estratégia de prevenção nacional é uma abordagem que inclui toda a sociedade. Ele defende, acima de tudo, os programas de promoção à saúde no ambiente de trabalho, cujo sucesso é comprovado. Para cada dólar gasto, têm-se US$ 3.27 de economia nos custos com atenção médica, após dois anos de operacionalização. Também falou que com o absenteísmo há um retorno do investimento com os programas de promoção nas empresas, na ordem de 2,73.
Para O’Donnell, é preciso conciliar hábitos saudáveis de vida e integrar conceitos, reduzindo os custos. “Em geral, a promoção à saúde começa com os conceitos gerais: não fumar, comer bem, não ingerir álcool e administrar o estresse. Existe uma economia de 150 dólares para cada risco cortado; quando a pessoa aumenta riscos, o custo cresce 350 dólares”, afirmou. Além disso, ele destacou o papel fundamental do governo. Nos Estados Unidos, há um banco de dados com informações individuais de 8 milhões de pessoas.
Outras questões abordadas por O’Donnell foram a importância de criação de uma cultura de prevenção à saúde dentro dos hospitais e a necessidade de uma abordagem intersecretarial, que forneça oportunidades para as pessoas mais desprovidas de recursos.
Após a palestra, o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Pedro Barbosa ressaltou que “não há como o Brasil deixar de aprender com o país mais desenvolvido do mundo”. Segundo ele, a evolução dos gastos em saúde revela um risco de falência da própria sociedade e não há dúvidas de que se gastará cada vez mais com saúde. “Temos de fazer que a curva se equilibre ao longo do tempo e entender a importância da saúde como alavanca do movimento, fonte de inovação e conhecimento”, comentou.
Modelo alemão
Para expor o modelo de atenção à saúde adotado pela Alemanha, a doutora Heidrun Beate Sturm começou explicando que o país é o terceiro no mundo em gasto saúde, mas apenas o 25º em relação a desempenho. Ela relatou que a partir de 1994 houve muitas fusões e hoje a Alemanha possui cerca de 150 fundos de saúde. Explicou ainda que como o sistema do país é bismarckiano, todos contribuem. Parte é descontada dos salários dos trabalhadores, parte é paga pelo empregador e outra vem dos impostos.
Um dos grandes problemas citados por Heidrun está relacionado à baixa taxa de fertilidade e ao envelhecimento da população. “Em 2030, quase um terço da população da Alemanha terá mais de 65 anos, gerando impacto muito grande, já que todos os estudos mostram que os gastos por pessoa aumentam com a idade”, observou.
Existe também outra questão atrelada ao envelhecimento. Em 20 anos, 20% dos médicos da prática privada vão se aposentar e os jovens profissionais não querem trabalhar nas áreas rurais. Prevendo essa transformação, nas duas últimas décadas, foram realizadas 15 reformas no setor de saúde. Para Heidrun, é necessário ainda implantar políticas de prevenção para sustentabilidade do sistema, melhorar incentivos financeiros e melhorar estruturas. Ela enfatizou que é necessário focar nas doenças crônicas, aumentando a adesão ao tratamento e fortalecer a atenção primária. “Apenas 20% dos clínicos trabalham com equipes multiprofissionais”, explicou.
A discussão dos modelos assistenciais continuou com a gerente de regulação assistencial da ANS, Martha Oliveira, que estudou muito o modelo alemão para o envelhecimento e acredita que o Brasil pode aprender muito com esse exemplo.
Apontou como principal problema do Brasil a interface entre Saúde Suplementar e SUS, que não discutem as peculiaridades de cada região, e a necessidade de realizar uma modificação. “Estamos discutindo uma reforma dentro de uma base antiga, mas ainda não conseguimos defini-la.”
Segundo a representante da ANS, é preciso entender que alguns procedimentos possuem custos elevados e são pouco efetivos. Por exemplo, 40% dos exames feitos no País não são retirados. Em contrapartida, falou positivamente sobre o crescimento da quantidade de programas de prevenção à saúde e a participação de beneficiários, que aumentou cinco vezes no último ano, nos programas cadastrados na ANS.
Novas tecnologias no Brasil
Marcos Ferraz Bosi, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), falou sobre a incorporação de novas tecnologias no Brasil. Apontou quais são as questões no Brasil que devem ser modificadas e ressaltou, em relação ao processo de avaliação, os aspectos a ser considerados: segurança, efetividade, eficiência, utilidade, impacto econômico, aspectos organizacionais, implicações éticas, sociais e legais. Destacou também que tem visto muitas apresentações em eventos trazendo os problemas e as necessidades de mudança, mas, na prática, não vê modificações, ressaltando o quanto isso compromete seriamente o sistema de saúde brasileiro.
Envelhecimento da população
Para fechar o Congresso, a última apresentação foi sobre os reflexos do envelhecimento no sistema de saúde. A médica Adriana Carneiro, da Cemig Saúde, ressaltou que as sociedades precisam se organizar para falar desse novo cenário. “Os países desenvolvidos tiveram envelhecimento gradual, e o Brasil de forma rápida. Estamos muito despreparados”, alertou.
Ela pôs em discussão um ponto-chave para as nações, avaliar quais são os limites da longevidade. A realização brasileira mostra um envelhecimento acelerado e mudanças no contexto sócio-político-econômico, com a criação do Estatuto do Idoso.
“O Brasil vive um momento de grande decisão. A população acima de 65 anos representava 2,7% em 1960, 5,4% em 2000 e chegará a 19% em 2050, causando elevação expressiva na quantidade de doenças crônicas”, relatou.
Outro desafio apresentado pela palestrante foi a insuficiência de geriatras e a necessidade de capacitação de clínicos gerais, para que atendam de maneira adequada os idosos. “Além desse apagão de mão de obra qualificada, temos também insuficiência familiar e outro grande problema: idosos cuidando de idosos.” A médica enfatizou ainda que o melhor caminho é a prevenção.
Dando sequência ao tema, o superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), Luiz Augusto Carneiro, traçou um panorama do gasto total com o segmento no Brasil, que, em 2010, teve investimento de 9% do PIB – 3,8% desse índice no setor público. No discurso, disse que, para que os recursos públicos sejam suficientes para financiar a assistência à saúde, é necessário analisar a transição demográfica e epidemiológica. Em 2030, 46% do gasto total será com idosos.
No fim do discurso, afirmou que, para garantir a sustentabilidade da saúde suplementar, é preciso incorporar novas tecnologias e introduzir uma mudança gradual do modelo assistencial.